Aos amigos, a versão final do artigo inspirado no reatamento
das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA.
Depois de exibir a substanciosa entrevista concedida
pelo escritor cubano Leonardo Paduro ao Alberto Dines, nosso decano na longa
carreira jornalística, o também sempre denso OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, da
TV Brasil, teve a felicidade, na semana passada, de poder se aprofundar no
assunto graças ao reatamento oficial das relações diplomáticas entre Cuba e os
Estados Unidos, um dos temas do momento no noticiário internacional.
Tais relações
haviam sido rompidas há 54 anos, em 1961, pelos EUA, depois que a Revolução
Cubana, vitoriosa em 1º de janeiro de 1959, com a queda e fuga do ditador
Fulgencio Batista, adotou uma série de medidas populares consideradas
inaceitáveis por Washington, a começar pela reforma agrária, com um confisco de
terras que incluiu, no que se referia ao cultivo da cana-de-açúcar, os 40% de
plantações sob propriedade norte-americana, além da nacionalização das
refinarias de açúcar e de petróleo.
E Cuba não cedeu na
firmeza, na coerência e na intransigência tão indispensáveis na conquista da
liberdade: não quis voltar aos tempos em que os EUA, que controlavam o mercado
açucareiro, não hesitavam, quando julgavam ameaçado qualquer dos seus
interesses, em intervir, militarmente, na Ilha. Foi assim, à base de uma
persistência obstinada, que a Revolução Cubana se consolidou e se impôs, a
ponto de influenciar a vida política do nosso continente. Não há mais dúvida,
por exemplo, de que contribuiu, diretamente, para o golpe civil-militar no
Brasil, bem como para a série de quarteladas que teria sequência no
chamado Cone Sul, ante o pânico que se assenhoreou dos formuladores da política
externa norte-americana só em pensar numa 'segunda Cuba' num país com os recursos
naturais e populacionais de um Brasil.
O
rompimento das relações pelos EUA foi precedido, ainda, pelo fracasso do
embargo comercial decretado em outubro de 1960 e até por uma invasão da Ilha
por exilados cubanos, financiados pela potencia imperial, na baía dos Porcos,
em 1961, tentativas que só fizeram apressar a orientação socialista do novo
regime de Havana.. E o socialismo que acabou resistindo e sobrevivendo até ao
desmantelamento da poderosa União Soviética, e convencendo o presidente Obama
da inutilidade de toda a pressão de mais de meio século sobre Cuba, é este que
acabou de adentrar, com muito mojito para regar os papos, o
casarão da Rua 16, em Washington.
É
o socialismo possível, isoladamente, num país pequeno e pobre, mas
decidido a assegurar ao seu povo, desde então, o que se pode chamar de básico e
fundamental, a própria essência da igualdade democrática de oportunidades: a
saúde e a educação. Fora daí, tal princípio democrático só costuma dar as
caras, muito raramente, às custas de acasos ou dos assim chamados milagres,
área não abrangida pelos estudos do capital, de Karl Marx a Thomas Piketty.
As prioridades norte-americanas, como sabemos, são outras, tanto que, antes de
Obama chegar à presidência, a maioria da população nos EUA sequer podia contar
com a garantia de um plano de saúde. Assim, o reatamento de modo algum vai
eliminar as divergências e críticas que os dois governos e sociedades
continuarão a fazer aos respectivos modelos. Aliás, o reatamento sequer
equivale. neste caso, a uma normalização, pois o fim do ominoso embargo
norte-americano é medida que transcende os poderes do presidente Obama.
O reatamento é muito importante, enfim, mas apenas e sempre um
primeiro passo, o avanço possível agora, de que tivemos a oportunidade de falar
no programa do Dines (a propósito, onde mais poderíamos fazê-lo na nossa
supostamente "democrática" mídia ?). O que não deve ser, no entanto,
motivo de tristeza ou decepção, pois foi com um primeiro passo que se iniciaram
movimentos como, por exemplo, a Longa Marcha (1934-1935), liderada por Mao
Zedong, e a ascensão da China à grande potência mundial que já desbancou os EUA
da posição de principal parceiro comercial do Brasil.
Arthur Poerner